A Fila de 2009: Giovanni Nobile Na Fila

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Giovanni Nobile Na Fila

O jornalista Giovanni Nobile publicou em seu blog mais uma crítica e novamente publicaremos ela aqui na íntegra.

Desta vez, Press Tensão olhou para a Cia. Armazém do Rio de Janeiro.


sojna sod ajevnIInveja dos anjos


...quando a arte imita a vida, que imita sei lá o quê...

Na nublada nona noite junina deste ano, parte agraciada de Londrina pôde testemunhar pela módica valia de não mais que quinze mangos – às vezes menos, caso tenha descontos, seja estudante, aposentado ou um estudante aposentado, por exemplo - à peça “Inveja dos anjos”, de Armazém Companhia de Teatro – a qual nasceu em Londrina, PR, em 1987, e hoje tem sede no Rio de Janeiro, RJ.
Na apresentação no Festival Internacional de Londrina – Filo-, o Teatro Ouro Verde, no centro da cidade, transformou-se num vilarejo interiorano qualquer, margeado pelos trilhos de um trem.
‘Inveja dos anjos’ começa contando uma história. Depois, esta se transforma em duas. Depois em três. E estas três, aparentemente principais, para os menos atentos, são todas as apresentadas no teatro. E ponto. Para os que se aprofundam na ideia da coisa, podem, em certo ponto, sentir ali no palco até mesmo um certo reflexo de suas histórias. Assim, ‘Inveja dos anjos’ é uma história que se desdobra em quantas infinitas forem as histórias refletidas em cena...
Deixando a confusão do parágrafo anterior de lado, o espetáculo se trata de algo como uma colcha de retalhos. Mais precisamente três retalhos específicos: Tomás é um deles (vivido pelo ator Ricardo Martins); Cecília é outro (que ganha vida através do trabalho da atriz Patrícia Selonk) e Luísa (que, por sua vez, aparece pela interpretação da atriz Simone Mazzer).
A linha que costura esta colcha de relações de amor, família e amizade – com os bordados de ódios, amarguras, luxúrias, e algumas lamúrias – é a linha do trem que permeia a cidadezinha. Por ali o passado dos três personagens já apresentados aparece como numa viagem existencial.
Nesta viagem outros passageiros pegam carona. São eles: Branca – a mãe de Luísa – (Simone Vianna), Eleazar, o carteiro (Marcelo Guerra), Rocco, ex-namorado de Cecília/ e José, o homem sem braço (Thales Coutinho), e Natália, filha de Tomás (Verônica Rocha)... além da imaginação da platéia que deve viajar junto em algumas cenas...
São viagens ao interior dos personagens. Viagens no tempo e espaço. Passado, presente e futuro. Estação do trem, parque de diversões, bar, quarto, sala, trilhos...
Enfim: um espetáculo muito bem montado (desde canário e iluminação, até trilha sonora, interpretação e tal). No cantinho onde estava sentado, pude ouvir uma ou outra reclamação quanto ao volume de som das vozes dos atores. Sinceramente, pude prestar atenção, sem esforço, em cada vírgula do texto (bom texto, por sinal, de autoria de integrantes da própria companhia).
E a não ser que eu esteja com alguma deficiência auditiva, lá pelo meio da peça ouvi Tomás dizer a seguinte frase: ‘O que eu estava procurando quando encontrei aquilo que não estava procurando?’. Se não foi isso, foi algo assim... parecido.
Pois bem, o que vale é que no final do espetáculo fica-se com a impressão de que cada personagem encontra algo que não estava procurando e, assim, esquecendo-se daquilo que talvez estivessem campeando. Tocam a vida com aquilo que lhes foi dado de surpresa.
Talvez esta seja a mensagem que tenha ficado. Pelo menos em minha modesta impressão desta peça que pode ser enquadrada entre... hummm... as cinco mais legais que já vi, eu acho.
Tomás, que no início procurava queimar suas lembranças, acaba encontrando nelas a sua razão de existir: sua filha Natália.
Luísa que procurava se esquecer de suas más lembranças, acaba se recordando dos bons momentos que viveu, como dos 1500 bolos que assou ou de quando morria de rir assistindo ao desenho do Papa-léguas na tevê.
Cecília que parecia procurar nada, acaba encontrando o tudo ali mesmo na sua terra: o vilarejo à beira dos trilho, como garçonete num bar, servindo ao carteiro...
E cada um da platéia que procura por algo, talvez tenha encontrado outra coisa e saído dali modificado, sem se lembrar do que procurava. Talvez porque a vida seja feita de surpresas, de indefinições que a movem. E talvez seja mais bacana encontrar aquilo que não se estava procurando...
Em ‘Inveja dos anjos’, procura-se por uma peça de teatro, encontra-se uma espécie de reflexo da vida, olho no olho, e se sai sem saber quem imita o que: se a vida imita a arte, ou o contrário. Ou, então, continua-se a procurar até um dia encontrar aquilo que não se estava procurando. Creio que a grosso modo a vida isso.

‘Inveja dos anjos’ ganhou o Prêmio Shell/Rio em 2009, nas categorias de Melhor Autor, para Maurício Arruda e Paulo de Moraes; e Melhor Atriz, para Patrícia Selonk.

Além destes, recentemente a peça recebeu seis indicações ao Prêmio APTR de Teatro 2008, o qual será anunciado dia 22 de junho.
As indicações foram às seguintes categorias:
Melhor Espetáculo;
Melhor Atriz, com Patrícia Selonk;
Melhor Atriz Coadjuvante, com Simone Mazzer;
Melhor Ator Coadjuvante, com Marcelo Guerra;
Melhor Iluminação, com Meneco Quinderé;
e Melhor Cenografia, com Paulo de Moraes e Carla Berri.
Texto: Giovanni Nobile
Imagens: Filo; Armazém Companhia de Teatro; Folhaonline


Por Giovanni Nobile
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